Com o atraso no repasse das verbas públicas e as vindas do setor privado e de pessoas físicas escasseando, cinco projetos da região visitados pelo GLOBO-Barra, todos em Jacarepaguá, correm o risco de terem suas atividades drasticamente reduzidas ou até paralisadas.
Recentemente, o Lar Maria de Lourdes, na Taquara, anunciou que poderia fechar as portas em decorrência do atraso na verba proveniente do estado. A instituição, que abriga portadores de deficiência física e mental, atualmente tem 11 crianças e 25 adultos. A continuidade do projeto, iniciado em 1998, tem sido possível graças ao apoio de pessoas físicas, que vem diminuindo, e da quantia recebida mensalmente do município, cerca de R$ 40 mil.
A situação se agravou em janeiro (2016), mês em que o abrigo parou de receber do convênio com o estado, que prevê o repasse de R$ 60 mil mensais, oriundos da Fundação para a Infância e Adolescência (FIA) e da Secretaria estadual de Saúde. Com isso, houve atraso no pagamento dos 35 funcionários e as contas se acumularam, incluindo as de água e de luz — este último serviço chegou a ser temporariamente interrompido, um transtorno enorme num local onde vários assistidos usam aparelhos respiratórios.
Os gastos já haviam aumentado desde o ano passado, quando, por determinação do Ministério Público (MP), houve necessidade de separar os ambientes onde ficavam menores e maiores de 18 anos. Com isso, foi preciso ocupar uma segunda casa para continuar o atendimento. Um empresário cedeu o imóvel ao lar por dois anos. Metade do tempo já passou. Sem querer “sofrer por antecipação”, Maria Isabel Peixoto, fundadora da casa, conta que recorre da decisão do MP.
A equipe formada por funcionários e voluntários se mobiliza para arrecadar doações, seja para comprar uma lata de um leite especial, que pode custar R$ 70, seja para substituir equipamentos danificados (de liquidificador a cadeira de rodas) ou pagar exames médicos. A profissional de Educação Física Cristina Areno Jucá, voluntária no Maria de Lourdes desde 2002, realiza visitas semanais e se encarrega de divulgar nas redes sociais o que é mais urgente.
Caminhando por entre berços e camas, ao cumprimentar cada um dos assistidos Cristina recebe sorrisos em troca. Do grupo de 36 internos, apenas dois têm visitas da família. Eles só veem o mundo para além dos muros da casa nos passeios organizados pela equipe. Momentos em que se torna necessário ainda vencer preconceitos.
— São quatro passeios por ano, entre eles uma ida ao Praia para Todos (que proporciona contato com o mar e diferentes esportes a pessoas com necessidades especiais). Na casa, procuro promover eventos culturais, como apresentações de circo e música, para que eles (os internos) tenham uma percepção diferente. As pessoas dizem que eles não entendem o que estão vendo. Mas claro que entendem — diz Cristina. — Onde você vê um trabalho desses? A minha preocupação é não deixar o projeto morrer; senão, vai uma história de amor junto.
O projeto criado há oito anos pela assistente social Célia dos Santos tem programação para os participantes pela manhã, de segunda a sexta-feira, envolvendo música e oficinas de jardinagem e artesanato. Não conta com verba pública, sendo mantido apenas com ajuda de pessoas físicas. No mês passado, o principal colaborador ficou desempregado, o que refletiu diretamente na quantia arrecadada. No almoço, as porções oferecidas sofreram redução, e elas não servem só para alimentar os assistidos. É uma forma de ajudá-los também a conquistar independência: ensinar-lhes a usar garfo e faca ou imprimir a força correta para segurar um copo plástico, sem derrubar o conteúdo, são detalhes que ajudam a promover maior inclusão social, afirma Célia.
— A pessoa especial de até 18 anos tem uma lei que a ajuda, que a faz ser inserida numa escola. Depois, ela vai para casa e não há uma instituição na qual possa melhorar em alguns aspectos. Não existe estímulo. Nossos objetivos principais são a socialização e a independência. Apesar de serem adultos, muitos têm dificuldade até na hora da higiene pessoal. A pessoa especial é vista como alguém que precisa que façam tudo por ela, em vez de alguém a quem se pode ensinar coisas — observa.
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No Projeto Semente, os assistidos aprendem jardinagem, e as plantas cultivadas são vendidas Foto: Analice Paron / Agência O Globo |
O Projeto Semente funciona num espaço cedido pelo Movimento de Amor ao Próximo (MAP), grupo de trabalho voluntário. A quantia arrecadada, por meio de doações e com a venda de peças de artesanato e plantas cultivadas no local, mantém a instituição, onde trabalham somente voluntários. Uma dificuldade a mais para garantir a presença de profissionais de áreas específicas, como fonoaudiólogos.
O planejamento semanal é organizado pela pedagoga Rita de Cássia Braga, voluntária desde 2010. Atividades educacionais que incluem o aperfeiçoamento de hábitos de higiene pessoal, como escovar os dentes e ir ao banheiro sem ajuda, estão no cronograma:
— O que faço é orientá-los dentro da visão da socialização, extraindo, mesmo da atividade mais simples, um foco pedagógico. Ao fazer uma atividade de colagem, por exemplo, cada um aprende a trabalhar dentro do seu limite.
O projeto passou por dificuldades em outras épocas. Um dos momentos mais críticos foi quando Célia sofreu um AVC e precisou ficar afastada. Os voluntários se uniram para evitar a interrupção das atividades. Entre eles está a bancária aposentada Amelia Navarro Carneiro Garcia, que leva seu trabalho a sério e frisa que não é preciso ter experiência na área educacional para notar a melhora gradativa da turma.
— Eles são muito carinhosos. É uma troca muito grande. Na hora da chamada, todo mundo espera o seu momento de responder “presente”. Mesmo quem tem mais dificuldade para falar se esforça ao máximo, e todos têm paciência para esperar. Vejo isso como uma aceitação, por parte deles, de que são um grupo. Nós ensinamos e aprendemos ao mesmo tempo — diz Amelia.