Reportagem de Fausto
Salvadori, Revista GALILEU de setembro/2010
IBOGA, é o nome da planta que é extraída a ibogaína, uma substância psicodélica
que faz sonhar por 12 horas e é cada vez mais usada contra a dependência química.
Boa parte dos cientistas torce o nariz diante da
idéia de se usar uma fortíssima droga psicodélica para se tratar dependentes
químicos. Porém, o crescimento do número de terapias bem-sucedidas e o início
de novos estudos deram mais credibilidade à prática. Um deles começou em julho
(2010), conduzido pela Associação
Multidisciplinar para Pesquisa de Psicodélicos (MAPS, na sigla em inglês),
de Santa Cruz, na Califórnia. De acordo com a entidade, trata-se da primeira
pesquisa sobre os efeitos de longo prazo da ibogaína na luta contra o vício. O
levantamento é feito em cima de usuários de heroína, tratados com a droga por
uma clínica do México, a Pangea Biomedics. O interesse dos pesquisadores surgiu
após estudos que mostram os benefícios da prática. “Há cada vez mais aceitação por parte da comunidade científica”, afirma
Randolph Hencken, diretor de comunicação MAPS.
A ibogaína é proibida em alguns países, por ser uma
substância ainda em fase de teste. A primeira pesquisa brasileira no assunto
estava prevista para iniciar em 2011, sob orientação do psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, coordenador
do Programa de Orientação e Atendimento
a Dependentes (Proad) da Universidade Federal de São Paulo (Unifest). Ainda
que os resultados sejam positivos, não há chance de cápsulas de ibogaína
chegarem às farmácias tão cedo. “Sob
estrita supervisão médica, a droga poderia se tornar um medicamento, mas
custaria milhões de dólares em estudos e ainda não há investidores para tanto”,
diz Hencken.
Ainda não se sabe ao certo como essa substância atua
no combate à dependência, mas dezenas de pesquisas em animais e humanos indicam
que age em dois níveis: tanto na química cerebral como na psicologia do
dependente. Por um lado, a droga estimula a produção do hormônio GDNF, que
promove a regeneração do tecido nervoso e estimula a criação de conexões
neuronais. Isso permitiria reparar áreas do cérebro associadas à dependência,
além de favorecer a produção de serotonina e dopamina, neurotransmissores
responsáveis pelas sensações de bem-estar e prazer. Isso explicaria o
desaparecimento da fissura relatado pelos dependentes logo após sair de uma
sessão.
Na outra frente, a ibogaína promoveria uma espécie
de psicoterapia intensiva ao fazer o paciente enxergar imagens da própria vida
enquanto a mente fica lúcida. Estas visões não seriam alucinações, como as
imagens de uma viagem de LSD. É como sonhar de olhos abertos, o que ajudaria os
dependentes a identificar fatores que os teriam empurrado para as drogas em
determinado momento da vida. Estudos nos Estados Unidos apontaram que as ondas
cerebrais de um paciente que tomou ibogaína têm o mesmo comportamento daquelas
de alguém em REM (a fase do sono em que sonhamos). “O sonho renova a mente e, se no sono comum temos apenas cinco minutos
de sonho a cada duas horas, na ibocaína são 12 horas de sonho intensivo”, aponta
o gastroenterologista Bruno Daniel Rasmussen Chaves, que estuda o tema desde
1994 e participará da pesquisa da Unifest.
Estudiosos e pacientes avisam: a droga não é uma poção
mágica. Para se livrar da dependência, Wladimir Kosiski (paciente) aliou o
tratamento à psicoterapia e mudança drástica de hábitos. Voltou a trabalhar, a
estudar e nunca mais pisou no local onde comprava crack. “A ibogaína retira a fissura, mas a pessoa pode continuar a usar droga
mesmo sem vontade, como alguém que estraga o regime por gula, não por fome”, afirma.
Gilberto Luiz Goffi da Costa, 44 anos (paciente) só conseguiu permanecer
“limpo” após a terceira vez que se tratou, em 2008, quando aliou a substância a
uma troca completa de atitudes, seguindo o método dos Narcóticos Anônimos.